A distribuição desigual da condição de ser humano no Brasil
a masculinidade hegemônica e a necropolítica dos corpos femininos considerados descartáveis
Resumo
Diante dos elevados índices de violência e morte perpetrados contra mulheres no Brasil contemporâneo torna-se possível evidenciar um contexto marcado por uma masculinidade hegemônica que resulta em políticas de morte (necropolítica), ou seja, implica uma absoluta descartabilidade das vidas femininas. Nesse sentido, o presente estudo é orientado pelo seguinte problema de pesquisa: considerando a existência de uma necropolítica de gênero no país, direcionada à produção de morte de mulheres, é possível dizer que a masculinidade hegemônica atua como um dispositivo necropolítico que impacta na construção das subjetividades do homem autor de violência ao ponto de que ele se sinta autorizado a praticá-la? Para responder ao problema proposto, o artigo foi estruturado em duas seções, que correspondem aos seus objetivos específicos. A primeira seção ocupa-se do estabelecimento dos conceitos de necropolítica e necropolítica de gênero, considerados enquanto referenciais teóricos muito importantes para análise da violência contra as mulheres no Brasil; na segunda seção, pretende-se relacionar a construção social das masculinidades com a prática dos feminicídios no Brasil, evidenciando de que modo a intensificação de uma subjetividade masculina hegemônica conduz à configuração de um dispositivo necropolítico de produção e administração de morte às mulheres dentro de um regime necropolítico de gênero. O método de abordagem utilizado é o hipotético-dedutivo, com a utilização da técnica de pesquisa bibliográfica para a coleta dos dados.
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