A distribuição desigual da condição de ser humano no Brasil

a masculinidade hegemônica e a necropolítica dos corpos femininos considerados descartáveis

Palavras-chave: Gênero, Masculinidade, Violência contra a mulher, Necropolítica

Resumo

Diante dos elevados índices de violência e morte perpetrados contra mulheres no Brasil contemporâneo torna-se possível evidenciar um contexto marcado por uma masculinidade hegemônica que resulta em políticas de morte (necropolítica), ou seja, implica uma absoluta descartabilidade das vidas femininas. Nesse sentido, o presente estudo é orientado pelo seguinte problema de pesquisa: considerando a existência de uma necropolítica de gênero no país, direcionada à produção de morte de mulheres, é possível dizer que a masculinidade hegemônica atua como um dispositivo necropolítico que impacta na construção das subjetividades do homem autor de violência ao ponto de que ele se sinta autorizado a praticá-la? Para responder ao problema proposto, o artigo foi estruturado em duas seções, que correspondem aos seus objetivos específicos. A primeira seção ocupa-se do estabelecimento dos conceitos de necropolítica e necropolítica de gênero, considerados enquanto referenciais teóricos muito importantes para análise da violência contra as mulheres no Brasil; na segunda seção, pretende-se relacionar a construção social das masculinidades com a prática dos feminicídios no Brasil, evidenciando de que modo a intensificação de uma subjetividade masculina hegemônica conduz à configuração de um dispositivo necropolítico de produção e administração de  morte às mulheres dentro de um regime necropolítico de gênero. O método de abordagem utilizado é o hipotético-dedutivo, com a utilização da técnica de pesquisa bibliográfica para a coleta dos dados.

Biografia do Autor

Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, RS, Brasil

Doutor em Direito (UNISINOS), com estágio pós-doutoral pela USP. Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UNIJUÍ. Bolsista de Produtividade CNPq. 

Joice Graciele Nielsson, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, RS, Brasil

Doutora em Direito (UNISINOS). Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UNIJUÍ. 

Tatiana Diel Pires, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, RS, Brasil

Mestra em Direito pela UNIJUÍ. Graduada em Direito pela UNICRUZ. E-mail: tatiana_pires@hotmail.com.

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Publicado
02/02/2024
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