Capitalismo de vigilância e racismo
o reconhecimento facial automatizado como técnica de controle sobre o corpo negro
Resumo
Imerso em uma sociedade de vigilância, o ser humano constitui fonte e usuário da coleta, processamento e análise dos seus dados digitais, perfazendo a modulação das subjetividades humanas. Permeado pelo discurso em que se glorifica as novas e mais modernas tecnologias, o já conhecido e inebriante discurso de combate à criminalidade violenta (ideologia da segurança pública), ganha novos instrumentos e técnicas de trabalho. Dentre esses instrumentos, destaca-se a utilização do reconhecimento facial automatizado. Este se concretiza através da coleta dos dados biométricos da face humana, conferindo um tratamento mais objetivo, supostamente neutro e eficaz no cumprimento de mandados de prisão. Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo debater o reconhecimento facial como uma técnica de controle e construção de subjetividades no sistema penal, que reforça sua seletividade. Para responder a essa problematização, analisamos a monitoração facial como uma nova forma de controle (digital) que circunda as relações pessoais. Identificamos um viés racista e discriminatório dos algoritmos utilizados, descortinando a suposta neutralidade atribuída a essas novas tecnologias. Utiliza-se a pesquisa bibliográfica, documental e estatística.
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