Entre a proteção e a prisão
o confinamento de mulheres indígenas encarceradas no Sul de Mato Grosso do Sul
Resumo
Este artigo analisará as problemáticas entre a criminalização de mulheres indígenas encarceradas no Sul de Mato Grosso do Sul e o apagamento nos dados oficiais quanto a existência viva dessas mulheres a partir da análise dos resultados de uma pesquisa realizada no ano de 2017, envolvendo mulheres indígenas em situação de cárcere em três presídios femininos da região da Grande Dourados-MS. Através de um diálogo antropológico, histórico e jurídico pretende-se demonstrar as complexidades do corpo feminino indígena encarcerado e o (des)interesse estatal em (des)construir o imaginário colonialista de integração. O método de investigação é qualitativo de abordagem hipotética dedutiva, com técnicas exploratórias obtidas por meio de dados oficiais e do contato com 05 mulheres indígenas encarceradas. Observa-se que o apagamento institucional é atravessado por dilemas coloniais que enfrentam grande dificuldade em efetivar direitos constitucionais previstos na Carta de 1998 e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A hipótese é a de que o colonialismo patriarcal manifesto no direito moderno obstaculiza o caráter emancipatório do cuidado moderno e isso, no interior das prisões femininas na Grande Dourados, revela a ineficiência do Estado brasileiro em tornar efetivo Direitos Constitucionais para com mulheres indígenas em situação de prisão.
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